Por Flavia Romano
Há na jurisprudência dos tribunais do país consenso acerca da legitimidade para ação indenizatória àquele que tiver sofrido um dano. Indaga-se, todavia, se haveria uma limitação quanto aos ofendidos para pleitearem um ressarcimento por dano reflexo ou indireto. No julgamento do REsp 1208949, do qual foi relatora a eminente ministra Nancy Andrighi, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que os pais têm legitimidade para pleitear indenização por dano moral concorrentemente com a filha: “Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa”.
Na motivação do voto a ministra fez constar que “são perfeitamente plausíveis situações nas quais o dano moral sofrido pela vitima principal do ato lesivo atinja, por via reflexa, terceiros, como seus familiares diretos, por lhes provocarem sentimento de dor, impotência e instabilidade emocional.”
Com efeito, apesar de o legislador de 2002, no artigo 948, na hipótese de homicídio, não excluir o pagamento de indenização devido a “outras reparações”, manteve aberto o impasse acerca da legitimidade para a indenização a terceiros por danos morais. A dificuldade da reparação por dano moral, que assume também o caráter de pena privativa, advém da necessária ponderação da intensidade do vínculo afetivo entre vítima direta e terceiro. Em se tratando de pais, cônjuges, filhos e avós, o vínculo afetivo se verifica com relativa segurança, mormente se nada existir que possa afastar esta presunção. A preocupação, ao revés, se intensifica quando o pleito decorre de parentes distantes, amigos íntimos, noivos ou namorados.
O professor Sérgio Cavalieri Filho adverte quanto à impossibilidade de adoção de critérios absolutos para se determinar de antemão a legitimidade ativa no dano moral indireto: ”Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo pode sofrer intensamente.”
Nesse sentido, apenas o caso concreto poderá revelar com alguma margem de certeza se o demandante realmente sofreu o dano e qual o vínculo afetivo existente.
Registre-se o julgamento dos Embargos Infringentes 0133034-93.2005.8.19.0001, da qual foi relatora a eminente Desembargadora Letícia Sardas, 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no qual se decidiu pelo provimento do pedido indenizatório dos tios da vítima por danos morais: “Embargos Infringentes. Ação indenizatória. “Chacina da Baixada”. Ponto Controverso apenas com relação à existência de dano moral em face do tio e da tia da Vítima. Indenização Devida. Desprovimento dos Embargos Infringentes. “... 3. Ocorre o dano em ricochete toda vez que outra pessoa é atingida indiretamente pelo ato ilícito causador do dano. 4. Os tios da vítima pleiteiam apenas os danos morais e não há como aderir à tese dos presentes embargos infringentes da inexistência de maior vínculo afetivo entre eles.”
Há ainda diversos julgados reconhecendo a legitimidade ativa de irmãos da vítima quanto ao pleito indenizatório. Neste sentido, acórdão recente de relatoria da eminente Desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves, na Apelação Cível 0061604-42.2009.8.19.0001, do TJ-RJ: “O dano moral é direito personalíssimo, inserido na esfera individual de cada titular. O evento danoso é único, porém o dano que este causa repercute na esfera de vida de uma gama de pessoas eventualmente envolvidas ou ligadas àquela vítima. Dano Ricochete. Não podem os irmãos ser considerados ilegítimos titulares do dano sofrido com a morte precoce, violenta e inesperada do outro irmão, tão-somente porque outros parentes foram indenizados. Caberá ao julgador equilibrar a quantificação do dano quando do arbitramento do valor indenizatório e não afastar friamente o dano efetivamente sofrido com a trágica morte de um ente amado”.
Por derradeiro, apesar de vozes dissonantes na doutrina, a tendência jurisprudencial, especialmente em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana - artigo 3º, inciso III, da Constituição de 1988 -, é a de considerar desnecessária a prova do dano moral diante da presunção lógica de ligação afetiva intensa entre a vítima direta e o parente próximo. Como é cediço, o dano moral, enquanto mecanismo de reparação de lesão a direitos da personalidade, não se substitui pela equivalência monetária da dor ou do sofrimento causado – o que nem mesmo faria sentido -, mas aparece como um meio de atenuar o prejuízo imaterial constatado no caso concreto, aferido por parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem-se firmando, todavia, no sentido de estabelecer um limite para a indenização por danos morais nos casos de morte de pessoa da família, em cerca de 500 salários mínimos (RESP 278885 / SP; RESP 139779 / RS; RECURSO ESPECIAL 1997/0047933-1; RECURSO ESPECIAL 1993/0034264-9). Mas, sem embargo das referidas decisões, a doutrina vem se posicionando no sentido de exigir cautela às circunstâncias individuais que reclama o caso concreto. In casu, o professor Gustavo Tepedino aduz em Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República que o “parâmetro, todavia, deve ser flexibilizado de acordo com as circunstâncias concretas do caso e as condições pessoais daquele que pleiteia a indenização – não a sua capacidade econômica, mas a natureza da sua relação com o de cujus”.
Finalmente, no tocante à limitação do número de legitimados ativos para a demanda, o eminente Desembargador André Gustavo C. de Andrade da 7ª Câmara Cível do TJ-RJ in "Estudo Sobre a Evolução do Dano Moral", publicado na Revista da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro 24/141, acrescentou que “a cada legitimado à indenização por dano moral deverá tocar uma verba independente, correspondente à dor e à perda de cada um para a obtenção de reparação pelo dano moral sofrido. Não há, em tal situação, um único direito à postulação da reparação pelo dano moral, mas tantos direitos quantos forem aqueles que tiveram a sua esfera moral ou ideal atingida reflexamente pela morte do ser querido”.
Diante do que aqui se expôs, pode-se afirmar a necessidade da proteção de um invólucro fundamental da dignidade humana, vigiada pelos contornos do caso concreto, conquanto se exteriorize a lesão reflexa entre a vítima direta e a indireta.
Fonte: Conjur.com.br
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