"É o futuro da humanidade que está em jogo", alerta Al Gore
Fabíola Ortiz - 06/11/14
Al
Gore esteve no Brasil para falar para um público formado por 750
pessoas sobre aquecimento global. Divulgação: Climate Reality Project
Rio de Janeiro -- Há menos de um mês para a Conferência da ONU sobre
Mudanças Climáticas (COP 20) a ser realizada em dezembro em Lima, no
Peru, o prêmio Nobel e ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore,
fez o alerta: "Estamos em um 'turning point', é o futuro da humanidade
que está em jogo, há tempo para o desespero e temos que acelerar as
mudanças em meio à crise climática".
Al Gore ganhou projeção como uma importante voz ambientalista em 2006 no documentário "
Uma Verdade Inconveniente",
dirigido por Davis Guggenheim e apresentado pelo próprio Al Gore. O
filme analisa o aquecimento global e apresenta uma série de dados para
comprovar a relação que existe entre a ação do homem e o aumento na
emissão de gases na atmosfera que aceleram o aquecimento global.
De passagem pelo Rio de Janeiro, ele falou para um público de 750
potenciais líderes globais no chamado Treinamento de Lideranças em
Mudanças Climáticas. Esta é a 26ª edição desta capacitação internacional
do Climate Reality Project, uma iniciativa da rede global de ativistas
Climate Reality Leadership Corps,
em parceria com a organização Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Esta foi a primeira vez que o treinamento foi realizado na América do
Sul.
O Climate Reality Project é uma organização criada pelo prêmio Nobel
Al Gore para formar líderes nesta área. A ideia é compor uma rede global
de pessoas que possam influenciar decisões de governos e empresas. E
((o))eco estava lá e conta como foi o dia de treinamento. Al Gore fez
pela manhã desta quarta-feira, 5 de novembro, uma palestra de duas horas
e, durante à tarde, falou em pormenores sobre sua apresentação dando
dicas e detalhes sobre mudanças climáticas aos presentes na plateia.
Dados e imagens impactantes
Al Gore seguiu a mesma tática usada no documentário para falar para o
público do Treinamento de Lideranças em Mudanças Climáticas. O
americano começou sua fala logo cedo às 8h30 e adotou as técnicas
oratórias já bastante conhecidas: o prenúncio de catástrofes e desastres
naturais, para depois servir de inspiração e destacar exemplos de
sucesso que podem ser aplicados. Al Gore não economizou em frases de
efeito.
Começou falando sobre o "vício da civilização" pelos combustíveis
fosseis. Ele defende que os países devem anunciar cortes efetivos de
emissões. Mas, na sua opinião, a verdadeira transição para uma economia
de baixo carbono será em grande parte financiada pela iniciativa
privada. O prêmio Nobel estima que será a um custo não menos de 224
bilhões de dólares.
"A crise climática é tão seria que os seres humanos não imaginam que
estão mudando o clima do mundo. Os dias estão mais quentes, se
continuarmos assim, não vamos mais reconhecer o planeta onde vivemos",
proferiu.
Diariamente, 10 milhões de toneladas de CO2
Todos os dias, 10 milhões de toneladas de CO2 são despejadas na fina
camada que envolve a Terra. "Estamos mudando a composição química de
nossa atmosfera e preenchendo com CO² e poluição", disse.
"Estamos mudando a composição química de nossa atmosfera e preenchendo com CO2 e poluição".
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Entre os setores que mais emitem dióxido de carbono, a queima de
combustível fóssil responde por 85% das emissões globais, seguido do
corte de florestas, mineração, transporte e o derretimento do permafrost
– gelo permanente em que o carbono concentrado é liberado e exposto à
luz do Sol. Esse carbono se converte em dióxido de carbono em ritmo 40%
mais veloz. No mundo, há 13 milhões de quilômetros quadrados de
permafrost distribuídos pelo Alasca, Canadá, Sibéria e partes da Europa.
O aquecimento global poderá liberar carbono do permafrost na atmosfera
suficiente para garantir uma elevação de 3ºC a temperatura global.
Logo de início, Al Gore não hesita em assustar a plateia com exemplos
de catástrofes e tragédias pelo mundo. Os oceanos aquecem mais e geram
anomalias de temperaturas na superfície do mar aumentando a intensidade
de tufões como o Haiyan que atingiu as Filipinas, em novembro de 2013, e
deixou 4 milhões de vítimas.
Esta última década teve a mais alta temperatura já registrada na
história. "O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)
diz que o futuro do planeta será perigoso para seres humanos trabalharem
fora dos ambientes fechados".
Ciclo hidrológico
Um
público formado por ambientalistas, políticos, economistas,
administradores públicos, comunicadores e cientistas foi selecionado
pela organização Project Reality para capacitar líderes em clima no Rio.
Foto: Fabíola Ortiz
Enquanto a crise climática tem a ver com a ocorrência de eventos mais
extremos e severos, o ciclo hidrológico da Terra tem sido radicalmente
alterado. "Em todos os continentes, temos maiores temperaturas e
inundações mais fortes", disse ao mostrar imagens das tragédias
ocorridas na Região Serrana, em 2013, que deixaram um prejuízo de 1,2
bilhões de dólares. Foram mostradas ainda fotos de eventos climáticos
que afetaram os municípios de Xerém e Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense, em janeiro de 2013.
"Eventos assim estão por todos os lugares", comentou ao mostrar casos
nos Estados Unidos, Paquistão, França, outras regiões do Brasil, Itália
e países africanos. "Até quando os países vão ter condições de arcar
com a reconstrução de suas infraestruturas perdidas em razão de eventos
climáticos?", questionou. Para ele, construímos o mundo com pressupostos
antigos. Agora, será preciso adequar às novas condições.
O aumento da temperatura prejudica e aprofunda ainda mais as crises
humanitárias e conflitos no mundo. Al Gore se mostra não apenas
interessado no tema, mas tenta demonstrar, durante sua palestra, que
entende do assunto ao explicar que, ao passo que as temperaturas se
elevam, as grandes secas também ocorrem. A seca no mundo aumentou desde
2000. Elas estão agora mais proeminentes.
Em fevereiro deste ano, 140 cidades brasileiras passaram a sofrer com
escassez de água, destacou o americano. O impacto na agricultura também
tem sido severo, pois a economia do país é baseada em 50% de produtos
oriundos da agricultura.
"O Brasil liderou no mundo na produção de biocombustível, mas a
produção de cana de açúcar está sendo impactada. O aumento das
temperaturas tem efeitos na produção de alimentos e na instabilidade
social. A segurança alimentar já está sendo impactada pelas mudanças
climáticas".
"Qual
é o problema da falta d'água no Brasil? É o desmatamento da Amazônia.
Existem rios voadores que levam umidade para o resto do país, a chamada
evapotranspiração que regula o ciclo das chuvas. Se não houver mais
árvores, não haverá mais rios voadores".
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Al Gore mais uma vez quis mostrar-se antenado ao tentar destrinchar a
crise hídrica que afeta o abastecimento nas cidades brasileiras. "Qual é
o problema da falta d'água no Brasil? É o desmatamento da Amazônia.
Existem rios voadores que levam umidade para o resto do país, a chamada
evapotranspiração que regula o ciclo das chuvas. Se não houver mais
árvores, não haverá mais rios voadores".
Apesar de reconhecer os esforços feitos pelo Brasil, Al Gore coloca o
país ao lado da Indonésia como os que estão no topo da lista de maiores
desmatadores.
Era de extinção
No quesito biodiversidade, é taxativo ao denunciar que, nos últimos
40 anos, perdeu-se metade das espécies vivas no mundo. "Espero não
estarmos próximo a uma era de extinção em massa de espécies. Temos o
dever moral de sermos os guardiões do planeta", defendeu.
Enquanto isso, o estresse hídrico pode gerar o secamento dos
aquíferos no mundo. Seguindo a linha de uma visão apocalíptica à beira
do colapso, Al Gore ainda introduz em sua apresentação conceitos
bíblicos de Genesis, frases de efeito para manter o clima de tensão
entre os participantes. Inclusive lançou mão de declarações do Papa: "Se
destruirmos a obra da criação, a criação irá nos destruir".
O americano apenas lembrou que todos estes desastres estão ocorrendo
com apenas o aumento de 1º C na temperatura. "Estamos a caminho do
aumento de temperatura para 4 ou até 6º C. As consequências seriam tão
catastróficas, a civilização humana seria tão diferente que nem a
reconheceríamos mais", afirmou.
Como resolver
Foto: Climate-Reality-Project
Aos poucos o Nobel tenta minimizar o choque causado na plateia. "Mas a
gente pode e vai sobreviver a isso, só temos que pesar e entender o que
está posto em jogo para sabermos o que fazer. Temos as soluções nas
mãos e vamos resolver essa crise".
Depois de quase duas horas de imagens e uma avalanche de dados e
fatos apresentados aos novos líderes climáticos, Al Gore reservou o
final para dar possíveis exemplos de boas práticas, muitos ainda em
escala reduzida.
"Enquanto a principal fonte de energia no Brasil, a água, está
acabando, há uma oportunidade de utilizarmos outras fontes", comentou ao
referir-se ao que chamou de energias verdes.
Na opinião do diretor do Climate Reality Porject, Mario Molina, a
grande mensagem deixada pelo Nobel é que ainda é possível ter esperança,
pois as soluções estão à mão. "É importante mostrar os impactos das
mudanças climáticas desde inundações e secas, pois é a realidade que
estamos vivendo. Al Gore não deixa uma mensagem exagerada, é a realidade811
que vivemos agora com somente 1º C de aumento na temperatura", disse a
((o))eco.
Para Molina, além da tecnologia e do conhecimento para mudar é
preciso mobilizar as pessoas para serem capazes de expressar seu desejo
por mudança.
"Não podemos deixar que ultrapassemos de 2º C. Ainda podemos
administrar e ter capacidade de lidar e adaptar. Se ultrapassarmos,
realmente não temos ideia das consequências e dos impactos que teriam na
civilização mundial".
Fonte: ((O)) ECO