Pensamento

" Não são os grandes planos que dão certos, são os pequenos detalhes" Stephen Kanitz

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Novo CPC: 5 anos de tramitação e 20 inovações


Justice gavel
Crédito @fotolia/jotajornalismo

Por Luiz DelloreSão Paulo
Como advogado militante, professor universitário e verdadeiro entusiasta do processo civil, acompanhei a tramitação do projeto do Novo Código de Processo Civil (NCPC) desde a sua gênese, a partir de 1º/10/09 (data da assinatura do ato que criou “comissão para elaborar o anteprojeto de lei de um novo Código de Processo Civil”).
Desde então, estive presente a audiências públicas, assisti a sessões na Câmara dos Deputados, debati com diversos colegas processualistas de todo o país (virtual e presencialmente), conversei com vários parlamentares [1], sugeri alterações legislativas, li artigos sobre o tema, escrevi artigos sobre o tema [2], assisti a palestras referentes ao assunto, ministrei palestras referentes ao assunto, vibrei com alterações no texto, lamentei modificações no texto. Estive no Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste (e em 2015 estarei no Norte) e participei da criação um centro de estudos processuais [3]. E, seguramente o principal: fiz alguns bons amigos [4]. Aliás, isso tudo sem participar de qualquer das comissões oficiais que auxiliaram na redação do texto.
Esse ciclo se encerrou no dia 17/12/14, com a aprovação do texto final do PL 166/10 pelo Senado. Resta ainda a sanção (e eventuais possíveis vetos), mas é fato que a fase de debates se encerrou, sendo remota a possibilidade de veto substancial ao projeto.
Qual o saldo passado esse lustro? Temos um novo CPC. Desde o início, manifestei-me contrário a esse NCPC. Não estive nem estou sozinho. O Código poderia ter avançado muito, em diversas matérias, entre elas, para ficarmos em um exemplo expressivo, no tocante à superação do paradigma papel para o meio eletrônico. Mas isso já é passado e lá deve ficar.
Agora, como afirma um desses grandes amigos que fiz no período [5], é hora de nos resignarmos e aceitarmos a maioria – que prevaleceu no sentido de termos um novo Código. De forma alguma devemos “torcer contra”; ao revés, o momento é de buscar extrair do texto e do sistema a melhor interpretação possível, para que o desiderato do Código (e, por certo, de todos os processualistas) seja atingido: um processo mais rápido, efetivo e seguro.
Ainda assim, as previsões de imediata agilidade seguramente não serão atingidas [6]. O problema da morosidade não é (só) legislativo, mas especialmente estrutural e cultural. Contudo, isso é tema para outro artigo.
Neste momento, pretendo destacar 20 das principais inovações do NCPC – que podem ser positivas, negativas e, acredite, positivas e negativas ao mesmo tempo:
(i) criação de uma audiência obrigatória de “conciliação e mediação” antes da apresentação de contestação pelo réu – o que pode resultar na efetivação de acordos; mas, também, propiciará uma ferramenta para protelar o processo, para o réu mal intencionado (o que não poderá ser presumido pelo magistrado, para fins de aplicaçãode penalidades);
(ii) citação do réu sem contrafé, nas ações de família, mas para que compareça à tal audiência – inovação que seguramente será arguida como inconstitucional, por violar a ampla defesa;
(iii) possibilidade de o juiz redistribuir o ônus da prova, no que pode ser denominado de “ônus dinâmico da prova” – o que já vem sendo aplicado por alguns juízes, mesmo sem base legal, mas o NCPC estipula que isso deve ser informado pelo juiz;
(iv) novas obrigações quanto à fundamentação da sentença, impondo ao magistrado que aprecie, tópico por tópico, todos os argumentos levantados pelas partes (ainda que absolutamente impertinentes), sob pena de nulidade – dispositivo já objeto de preocupação de diversos magistrados, considerando as dificuldades e maior tempo para que assim se proceda;
(v) mudança nos limites da coisa julgada, não mais existindo a ação declaratória incidental, pois a questão prejudicial será coberta pela coisa julgada, independentemente de pedido das partes – no que, para mim, é uma das piores inovações do NCPC, pois trará insegurança para as partes e a possibilidade de uma simples causa se transformar, no decorrer da tramitação, em um processo de grande relevância;
(vi) determinação de julgamento das causas em ordem cronológica, ou seja, em tese não sendo possível o julgamento de uma simples ação de indenização se ajuizada posteriormente a um complexo processo coletivo – dispositivo candidato a ser dos primeiros a “não pegar”;
(vii) combate à terrível jurisprudência defensiva, buscando realmente que o Judiciário se preocupe com o mérito e não com questões formais menores, na admissibilidade dos recursos – ainda que o NCPC esteja atrasado em relação a determinados aspectos já modificados pela jurisprudência dos tribunais superiores;
(viii) tentativa de estabilização da jurisprudência, com o maior respeito aos precedentes por parte dos tribunais e juízes, sendo esse, no meu entender, um dos principais pontos positivos do NCPC – ressaltando, contudo, tratar-se muito mais de um problema cultural que legislativo;
(ix) ainda para dar mais segurança ao sistema, possibilidade de modulação dos efeitos das decisões judiciais, especialmente no caso de mudança de entendimento jurisprudencial, algo que já é realizada pelo STF em controle concentrado de constitucionalidade, mas que ainda encontra resistência nos demais tribunais – tratando-se, portanto, de uma saudável inovação;
(x) criação do incidente de coletivização das demandas, que é a possibilidade de o juiz poder converter uma causa individual em coletiva, ao verificar a amplitude do tema debatido nos autos – o que me parece altamente nocivo ao autor e ao sistema, pois o juiz deixa de ser parte imparcial para praticamente se tornar advogado em favor do autor;
(xi) criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, para que causas massificadas sejam julgadas pelos tribunais (exato, em tese cada tribunal pode julgar seu IRDR, e em sentidos inversos) e, a partir daí, sirvam como precedente para os demais – ferramenta que encontrará um grande ponto de conflito com o processo coletivo;
(xii) unificação do processo cautelar e da tutela antecipada, com o fim do processo cautelar autônomo e de cautelares específicas muito utilizadas no cotidiano forense (arresto e sequestro) – acredito que essas cautelares patrimoniais continuarão a ser utilizados no cotidiano forense, com os mesmos requisitos hoje existente (como vimos com a imissão de posse, prevista no CPC39, não no CPC73 e até hoje presente no cotidiano forense);
(xiii) contagem dos prazos processuais somente em dias úteis, o que é apontado como uma grande vantagem por permitir “fim de semanas e feriados” aos advogados – contudo, considerando os diversos feriados estaduais e municipais, essa vantagem poderá se tornar uma desvantagem e acarretar prejuízos aos advogados, sendo que uma solução mais simples seria simplesmente aumentar os prazos e prosseguir com a mesma forma de contagem de hoje;
(xiv) possibilidade da penhora de salário acima de 50 salários-mínimos – ainda que elevado o limite a partir do qual possível a constrição (especialmente para padrões brasileiros), no meu entender a melhor inovação do NCPC, ao quebrar o dogma da absoluta impenhorabilidade de salários e vencimentos no direito processual brasileiro, regra anacrônica que não encontra paralelo em outras codificações modernas (esperamos que o dispositivo não seja vetado – como já ocorreu em 2006, quando dispositivo análogo e melhor foi vetado);
(xv) criação de honorários recursais, ou seja, imposição de honorários além dos fixados em 1º grau – o que é positivo em relação a matéria pacificada, mas onera indevidamente o litigante quando a situação jurisprudencial ainda esta indefinida;
(xvi) mudança dos honorários advocatícios contra a fazenda pública, com a diminuição e escalonamento dos honorários em relação aos entes estatais, conforme o valor da causa (com mínimo podendo ser de 1%, enquanto para o particular sempre é 10%) – aumentando e não diminuindo as distinções processuais entre o Estado e os particulares;
(xvii) honorários advocatícios previstos como crédito alimentar do advogado – como recentemente reconhecido pelo STJ na recuperação de crédito;
(xviii) fim da admissibilidade do REsp e do RE na origem, de modo que, interposto o recurso para Tribunal Superior, ele será imediatamente remetido para o STF ou STJ – o que, na minha visão, exatamente no sentido oposto ao do NCPC, estimulará mais interposição desses recursos, pois o advogado saberá que o seu REsp ou RE será analisado por alguém em Brasília;
(xix) fim dos embargos infringentes, mas inserção de uma técnica de julgamento em que novos magistrados serão chamados se houver decisão por maioria, independentemente de manifestação das partes – o que se de um lado permite maior debate no Tribunal, do outro trará uma série de problemas burocráticos no cotidiano forense, que podem até mesmo desestimular a divergência pelos magistrados;
(xx) criação do negócio jurídico processual, ou seja, a possibilidade de as partes, de comum acordo, alterarem o procedimento para a tramitação do processo – dispositivo que, creio, será pouco utilizado e principalmente adotado quando tivermos processualistas defensores do tema dos dois lados da demanda. Afinal, se não há consenso quanto ao mérito (o conflito em si), haveria consenso – além de disposição e tempo para debater o assunto – em alterar o procedimento? Em poucas causas, complexas, pode até ser aplicado, mas não o será na maior parte das demandas.
Desta breve análise das inovações, tenho que o saldo é negativo. Mas, como exposto anteriormente, o momento é de conhecer as inovações e buscar a interpretação que melhor atinja o objetivo de celeridade, efetividade e segurança. Este é o papel da doutrina daqui para adiante e com esse espírito é que estudarei o NCPC. Vamos juntos?
*Mestre e Doutor em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor de Direito Processual do Mackenzie, EPD, IEDI e IOB/Marcato e professor convidado de outros cursos em todo o Brasil. Advogado concursado da Caixa Econômica Federal. Ex-assessor de Ministro do STJ. Membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual) e diretor do CEAPRO (Centro de Estudos Avançados de Processo).

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Luigi/Wikimedia Commons

Em sua grande erupção, há 39 000 anos, Campi Flegrei deixou uma cicatriz de 
13 quilômetros de extensão


 GEOLOGIA

Não acorde o gigante

Cientistas querem perfurar o supervulcão abaixo de Nápoles. Quem garante que isso não causará um desastre?

Alexandre Salvador Revista Veja – 15/12/2010

Um dos pontos turísticos mais visitados do sul da Itália é o Monte Vesúvio, vulcão ativo a menos de 10 quilômetros de Nápoles. Menos conhecido é o gigante adormecido sob o Golfo de Nápoles, cujo potencial de destruição faz o Vesúvio parecer fogos de artifício. Campi Flegrei (campos fumegantes) não é uma formação vulcânica convencional. É o que os especialistas chamam de caldeira ou câmara magmática. Não tem um cone principal, mas concentra enorme quantidade de lava subterrânea em uma área que vai de Nápoles até a paradisíaca Ilha de Capri. Essa cicatriz na costa italiana, com 13 quilômetros de extensão, foi aberta por uma erupção gigantesca ocorrida há 39 000 anos. Na última vez em que o material da caldeira explodiu, em 1538, formou-se uma elevação chamada Monte Nuovo. Atualmente, campos de lama borbulhante e liberação de gases fedorentos, que os turistas visitam, são o lembrete mais visível de que a cidade e seus 4 milhões de habitantes estão instalados sobre um dos mais perigosos vulcões do planeta. Para inquietação dos napolitanos, o gigante dá sinais de estar acordando. Em Pozzuoli, nos arredores da cidade, por exemplo, o solo elevou-se 3 metros nos últimos dez anos, destruindo casas e ruas. Giuseppe de Natale, chefe de pesquisas do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanismo, diz que, "se a caldeira explodir, causará uma catástrofe em escala global, com milhões de mortes e bruscas mudanças climáticas que podem causar uma nova era glacial". Natale é o coordenador do projeto que planeja efetuar uma série de perfurações em Campi Flegrei e seus arredores. O objetivo é estudar o comportamento do magma nas entranhas do vulcão e avaliar o risco de uma erupção próxima. A investigação, que tem o apoio da Fundação Europeia de Ciência, será feita por cientistas de dezoito países, com o custo estimado de 14 milhões de dólares. O início dos trabalhos está previsto para o primeiro semestre de 2011, mas ainda há um impasse: muitos cientistas temem que as perfurações possam precipitar a erupção que todos querem evitar. Os napolitanos naturalmente estão com medo. A prefeita de Nápoles, que chegou a dar seu aval às perfurações, já decidiu repensar sua decisão. Cientistas contrários ao projeto citam uma perfuração em busca de gás natural, responsável por uma erupção vulcânica que desabrigou 30 000 pessoas na Indonésia, em 2006. Natale garante que são situações totalmente diferentes. No caso de Campi Flegrei, ao contrário do que ocorreu na Ásia, a sonda deve parar a 4 quilômetros de profundidade, 2 quilômetros antes de atingir o magma. "Esse não é um projeto pioneiro. Conduzi perfurações similares nos Estados Unidos e no Japão, e não ocorreu nenhum tipo de incidente", disse a VEJA o americano John Eichelberger, coordenador do programa preventivo de vulcões da USGS, agência americana de pesquisa geológica. Ainda assim, ninguém fica tranquilo na hora de cutucar o gigante.

A História dos Direitos Humanos (legenda)

Publicado em 2 de out de 2011
Documentário produzido por United for the Human Rights
www.humanrights.com

http://youtu.be/uCnIKEOtbfc
DIÁRIO DE CLASSE

O professor de Direito foi derrotado 
pelo Facebook e pelo WhatsApp


A sabedoria popular avisava sobre a impossibilidade de assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Isso porque nossos antepassados sabiam que era impossível realizar as duas atividades conjuntamente. Por certo a geração que está na graduação, na sua imensa maioria, sequer chupou cana (de açúcar, claro). Mesmo assim, o ditado trazia consigo uma sabedoria, a saber, não se consegue fazer bem duas coisas ao mesmo tempo. 
Os neurocientistas conseguiram demonstrar que o cérebro somente consegue focar a atenção, especialmente a visual, em um objeto da percepção. Alison Gopnik aponta que para que tenhamos o foco da atenção são necessários estímulos fortes, provenientes do córtex pré-frontal, área cerebral que se desenvolve por último nos seres humanos e, pela qual, com sistemas neurais maduros, a atenção somente consegue abranger um foco estreito, ou seja, só conseguimos prestar, de fato, a atenção em uma coisa de cada vez. O filtro humano da atenção impede que tenhamos noções amplas. Segundo Stephen Macknik e Susana Martínez-Conde “a atenção resulta da ativação de neurônios inibidores, que, por sua vez, inibem os neurônios das regiões visuais e circundantes que possam causar distrações. Onde quer que você concentre a atenção, também estará eliminando os causadores potenciais de distração ao redor. Quanto mais você se concentra, maiores se tornam sua ativação central da atenção e sua eliminação do entorno.” [1]
Assim é que o mito de que se consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo se esvai.  Se você, caro leitor, estiver na carona de um veículo, conversando com o condutor, quando chegar perto de uma curva perigosa, com movimento de carros de ambos os lados, a tendência é que você pare a conversa para que o condutor possa prestar mais atenção na direção. O mesmo acontece na vida e, no nosso caso, na sala de aula.
Tudo bem que as aulas no curso de Direito são enfadonhas, chatas, sem nenhuma graça, com professores tediosos, repetindo textos legislativos e doutrina de almanaque (O jurista Dr. Google não precisa mais de professores?). As aulas são toleradas, quando há cobrança de presença (lista de chamadas), mediante o uso do Facebook e do WhatsApp. Os recursos da internet ajudam a matar o tempo que simplesmente não passa.
Aliás, conforme sublinhei juntamente com Sylvio Lourenço da Silveira Filho[2], embora a noção de tempo pareça evidente, a maneira como compreendemos a coordenada temporal foi culturalmente aprendida[3]. Inexistia, no passado, a leitura pelo dispositivo tempo/espaço. E a reflexão mais aprofundada sobre a questão apresenta diversos paradoxos interessantes. Marramao[4] demonstra que a passagem do presente fixo, sem distinção entre passado, presente e futuro, deu-se pela adoção do tempo cronométrico, pelo qual a humanidade restou prisioneira do relógio, do calendário e da sucessão entre passado, presente e futuro, apontando, entretanto, que quando se diz: nesse instante, já é passado. Daí que a nossa relação de dupla face entre a experiência e a dimensão temporal é sempre complexa. Indaga-se, pois, sobre o sentimento do tempo. Entre a experiênciado tempo e sua representação há sempre uma tensão irresolúvel. As coordenadas que pensamos não são naturais, mas sim ensinadas. Portando a evidência entre espaço-tempo como coordenadas dadas, na verdade, são artificiais. E o paradoxo é que podemos pensar o espaço sem tempo, mas não o contrário. Desta forma, o ponto de observação do fator tempo entra em cena e condiciona o sentimento temporal. Marramao propõe repensar o paradoxo do caráter inconcebível do tempo, para além das referências a representações espaciais.
Para o que interessa aqui, todavia, necessária a superação da visão platônica de uma verdade eterna, dualista, acolhendo-se o mundo das verdades contingentes. De qualquer forma a noção cronológica parte de um ponto arquimédico abstrato e eterno fora da experiência dos sujeitos de carne e osso[5], servindo de mecanismo coletivo, mas longe da experiência interna do tempo. As coordenadas fabricam sistemas de pensamento que servem racionalmente para dar sentido e diminuir a complexidade, embora não consigam expressar a dimensão pessoal do impacto do tempo. A partir da noção de perspectiva (espacial) e expectativa (temporal), vinculadas na representação racional moderna, as quais se encontram imbricadas, pode-se apontar as compreensões do tempo.
Marramao aponta, ainda, que o tempo como apreendido pelos modernos poderia se aproximar ao que os gregos chamavam de kairos, ou seja, tempo oportuno, tempo propício[6], o qual não é equivalente ao tempo cronológico. Virilio chama de Dromologia e Kosellecck de síndrome da pressa. Entretanto, desde Einstein e a teoria da relatividade, houve a distinção entre tempo psicológico e tempo físico. Enquanto o primeiro apresenta-se como experiência subjetiva, para a qual o impacto humano da sensação não pode ser apreendido de maneira universal, dadas as variações emocionais que implica, o segundo pode ser medido a partir de um observador externo, munido de critérios de fixação do tempo. Daí que Marramao propõe a compreensão do tempo em três planos: a) o sentimento do tempo interno; b) A síndrome temporal da pressa; c) o aspecto prático do que se pode fazer. O paradoxo entre o tempo privado e o tempo público ou o tempo individual e o tempo coletivo. Dito de outra forma: a sensação do tempo depende de diversos fatores pessoais e, por isso, não compartilhados, podendo-se apontar as variáveis da idade, de gênero, de profissão, ansiedade, estresse, rotina, atividade realizada, lugar de sua realização, em suma, cenário e contexto da experiência de tempo. Assim é que para o aluno o prolongamento da aula pode ser compreendido de maneira diversa do professor. Para alguns alunos a aula interessante passa rápido, enquanto para o desfocado, simplesmente, a aula não passa. O que está no Facebook ou Whatsapp nem viu que a aula acabou...
De qualquer forma, o que se pode dizer, com o auxílio dos neurocientistas e filósofos, confortados pela sabedoria popular, é que acreditar que se está prestando a atenção na aula do curso de Direito ao mesmo tempo em que se está no Facebook, WhatsApp e outros programas, é o mesmo que acreditar que se pode dirigir um automóvel e teclar no WhatsApp. Muitos responderão que fazem isso e nunca bateram. A questão é que agravam muito o risco de baterem, além de nem responderem, nem dirigirem direito. No fundo, no fundo, ainda não bateram. Baterão, mais dia menos dia. Na sala de aula é o mesmo. Acreditam — e a ilusão embala os sonhos — de que conseguem fazer duas coisas ao mesmo tempo. A questão é que se são seres humanos e dentro dos padrões, lamento informar, não conseguem. Iludem-se.
Proibir o Facebook e o WhatsApp não é o caminho para tornar as aulas mais interessantes. Mas participar de aulas que possam contribuir com algoassobiando e chupando cana é como assistir a um filme e teclar no Facebook. Muita coisa escapa. Pode-se estar de corpo presente em uma sala de aula enquanto se faz outra coisa. As duas juntas é quimera. O caminho talvez seja tornar as aulas mais interessantes, pois proibir o Facebook ou o WhatsApp, no fundo, seria comprovar a incapacidade pedagógica. Prestou a atenção ou estava zapeando em algum lugar... distante. Compartilha a coluna? Boas festas, já que não escrevo mais esse ano na Diário de Classe. Obrigado aos parceiros de espaço: André Karam Trindade, Rafael Tomaz de Oliveira e Lenio Streck.

[1] MACKNIK, Stephen L; MARTINEZ-CONDE, Susana. Truques da mente. Trad. Lúcia Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 175.
[2] MORAIS DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço. Medidas Compensatórias da Demora Jurisdicional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014.
[3] MARRAMAO, Giacomo. Poder e secularização: as categorias do tempo. Trad. Guilherme Alberto Gomes de Andrade. São Paulo: UNESP, 1995; CHITTÓ GAUER, Ruth M. Conhecimento e aceleração (mito, verdade e tempo). In: CHITTÓ GAUER, Ruth M. (org.) A qualidade do tempo: para além das aparências históricas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 1-16; SALDANHA, Jania Maria Lopes. Bloco de constitucionalidade em matéria de garantias processuais na América Latina: ultrapassando o perfil funcional e estrutural ‘hipermoderno’ de processo rumo à construção de um direito processual internacional dos direitos humanos. Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Anuário. n. 7. Porto Alegre: Livraria do Advogado 2010, p, 123-144; ROSA, Harmut. Accélération: une critique sociale du temps. Trad. Didier Renault. Paris: La Découverte, 2010; OST, François. O tempo do direito. Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Piaget, 2001.
[4] MARRAMAO, GiacomoMinima temporalia: Tiempo, espacio, experiencia. Trad. Helena Aguilà. Barcelona: Gedisa, 2008.
[5] MARRAMAO, Giacomo. Minima temporalia..., p. 61.
[6] MARRAMAO, Giacomo. Kairós: apologia del tiempo oportuno. Trad. Helena Aguilá. Barcelona: Gedisa, 2008, p. 14.

ACHO QUE É POR AÍ,EM MUITOS CASOS...NÃO SE APLICA A LEI,PURA E SIMPLES,AS VEZES EXISTEM MANEIRAS MAIS SUTIS DE RESOLVER CERTAS QUESTÕES DELICADAS...ALIÁS,QUESTÕES E DIFERENÇAS HUMANAS,TAÍ UM ASSUNTO ALTAMENTE EXPLOSIVO !!!!!!!
Juiz consegue 100% de acordos usando técnica alemã antes das sessões de conciliação
No interior da Bahia, um juiz tem conseguido evitar que conflitos familiares e pessoais transformem-se em processos judiciais com a utilização de uma técnica de psicologia antes das sessões de conciliação. Com ajuda da chamada Constelação Familiar, dinâmica criada pelo teólogo, filósofo e psicólogo alemão Bert Hellinger, o magistrado Sami Storch conseguiu índice de acordo de 100% em processos judiciais onde as partes participaram do método terapêutico.
Durante a Semana Nacional da Conciliação deste ano, que ocorrerá entre os dias 24 e 28 de novembro em todo o país, já estão agendadas 29 audiências cujas partes participaram da vivência de Constelação Familiar. Para o magistrado, o método contribui fortemente para o fim do conflito impactando tanto os atores diretos quanto os envolvidos indiretamente na causa, como filhos e família.
Neste ano, a técnica vem sendo direcionada aos adolescentes envolvidos em atos infracionais, processos de adoção e autores de violência doméstica. Na Vara Criminal e de Infância e Juventude de Amargosa, a 140 km de Salvador, onde atualmente o juiz Sami Storch dá expediente, o índice de reincidência desses jovens ainda não foi mensurado, mas o magistrado acredita que, se fosse medido, esse número seria com certeza menor.
“Um jovem atormentado por questões familiares pode tornar-se violento e agredir outras pessoas. Não adianta simplesmente encarcerar esse indivíduo problemático, pois se ele tiver filhos que, com as mesmas raízes familiares, apresentem os mesmos transtornos, o problema social persistirá e um processo judicial dificilmente resolve essa realidade complexa. Pode até trazer algum alívio momentâneo, mas o problema ainda está lá”, afirma.
O que é Constelação Familiar – A sessão de Constelação Familiar começa com uma palestra proferida pelo juiz sobre os vínculos familiares, as causas das crises nos relacionamentos e a melhor forma de lidar com esses conflitos. Em seguida, há um momento de meditação, para que cada um avalie seu sentimento. Após isso, inicia-se o processo de Constelação propriamente dito. Durante a prática, os cidadãos começam a manifestar sentimentos ocultos, chegando muitas vezes às origens das crises e dificuldades enfrentadas.
Em 2012 e 2013, a técnica foi levada aos cidadãos envolvidos em ações judiciais na Vara de Família do município de Castro Alves, a 191 km de Salvador. A maior parte dos conflitos dizia respeito a guarda de filhos, alimentos e divórcio. Foram seis reuniões, com três casos “constelados” por dia. Das 90 audiências dos processos nos quais pelo menos uma das partes participou da vivência de constelações, o índice de conciliações foi de 91%; nos demais, foi de 73%. Nos processos em que ambas as partes participaram da vivência de constelações, o índice de acordos foi de 100%.
Para Sami Storch, a Constelação Familiar é um instrumento que pode melhorar ainda mais os resultados das sessões de conciliação, abrindo espaço para uma Justiça mais humana e eficiente na pacificação dos conflitos.
A Semana Nacional da Conciliação ocorre todo ano e envolve a maioria dos tribunais brasileiros. Os tribunais selecionam os processos que têm possibilidade de acordo e intimam as partes envolvidas a tentar solucionar o conflito de forma negociada. A medida faz parte da meta de redução do grande estoque de processos na Justiça brasileira – atualmente em 95 milhões, segundo o Relatório Justiça em Números 2014.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias
http://www.cnj.jus.br/…/30115-juiz-consegue-100-de-acordos-…

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

O novo CPC e o fim da gestão na Justiça


The Law
Crédito @fotolia/jotajornalismo

Por Fernando da Fonseca Gajardoni*São Paulo
Praticamente todos que se arriscam a pensar o sistema de Justiça no Brasil afirmam que o nosso problema não é de legislação processual (ao menos não é o principal deles). A Justiça brasileira precisa, muito antes do que qualquer Novo Código de Processo Civil, investir em gestão.
Pois em todo o mundo se trabalha, atualmente, com a ideia de gerenciamento de unidades judiciais (court management) e de processos (case management), isto é, com a aplicação, no âmbito do Poder Judiciário, de conhecimentos e técnicas de gestão hauridos da Economia e da Administração (definição de prioridades, racionalização do uso dos recursos econômicos e humanos disponíveis, separação de problemas afins para tratamento em bloco, realocação racional dos espaços físicos, investigação do potencial de cada célula dentro das unidades judicias, etc.).
Através da gestão judicial busca-se emprestar à prática cartorial e dos gabinetes judiciais (court management), e também à própria condução individualizada do processo pelo magistrado (case management), um grau de racionalidade e organização próprias da iniciativa privada, com a produtividade e eficiência que lhes é peculiar.
O Novo Código de Processo Civil, contudo – na contramão desta tendência mundial -, dificulta sobremaneira a aplicação da gestão na Justiça brasileira, vedando que magistrados e servidores possam, com a liberdade necessária, gerenciar as unidades judiciais em que atuam.
Com efeito, o art. 12, do NCPC, estabelece, peremptoriamente, que todos “os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”, enumerando, em seus parágrafos, uma série de exceções (embora insuficientes) nas quais é autorizada a quebra da ordem cronológica. E o art. 153, do NCPC, dispõe que “o Escrivão ou chefe de secretaria deverá obedecer à ordem cronológica de recebimento para publicação e efetivação dos pronunciamentos judiciais”, a qual, sob pena de responsabilidade funcional, só poderá ser violada mediante prévia, expressa e fundamentada decisão judicial.
Os dispositivos, em primeira análise, mostram-se razoáveis. Realmente, a cronologia no julgamento, no cumprimento dos processos e na publicação das decisões judiciais, ao menos em princípio, aparenta ser imperativo de igualdade, já que distribui as agruras da espera pela tutela jurisdicional entre todos (art. 5º, caput, da CF). Além disso, a regra impede, também, que o julgamento, o cumprimento e a publicação das decisões no processo sigam ordem distinta, considerando as partes envolvidas (e sua eventual capacidade econômica ou política), ou mesmo a “influência” ou o “prestígio” dos advogados atuantes. Por fim, tem-se que a previsão da cronologia obstará que magistrados e secretarias venham a preterir os processos mais complexos em favor dos processos mais simples, de fácil julgamento/cumprimento, uniformizando, assim, o tempo da Justiça.
O que, entretanto, aparenta ser um avanço, causará infindáveis problemas práticos, havendo real risco de a novidade prejudicar profundamente a prestação do serviço público jurisdicional no país.
Considerando que mais de 50% das unidades judiciais no Brasil têm competência cumulativa – verdadeiras clínicas gerais que cuidam de processo cíveis, criminais, de família, empresariais, fiscais, etc. – , não se acredita que o estabelecimento da cronologia, como única rotina de trabalho, seja algo razoável ou minimamente eficiente.
A cronologia impede que os processos sejam selecionados por tema para julgamento e cumprimento em bloco, com enorme perda de eficiência; impede que determinadas demandas tenham seu julgamento preterido exatamente porque, no caso, a sensibilidade do magistrado e dos advogados indique que, naquele momento, a sentença, em vez de pacificar, potencializará o conflito (v.g. conflitos familiares, conflitos coletivos pela posse da terra); impede que os Tribunais Superiores levem a julgamento casos de repercussão geral apenas no momento em que haja segurança suficiente para decidi-los; impede que o serviço seja dividido por assunto entre servidores distintos, considerando a afinidade e especialização de cada um; impede que processos mais simples e de fácil solução – mas cujo rápido julgamento/cumprimento seja fundamental para as partes envolvidas (alvarás para levantamento de resíduos salariais, ações de benefícios previdenciários, etc.) –, possam ser julgados/cumpridos se eventualmente, na unidade, haja uma ação muito complexa pendente de julgamento ou cumprimento; enfim, impede qualquer autonomia da unidade judicial (ou mesmo de sua Corregedoria) na definição, à luz das particularidades locais (volume de serviço, números de juízes e servidores, estrutura física/material), da melhor forma de atender aquele caso e todos os demais que ali têm curso.
Além disso, a fixação, em lei cogente e de validade nacional, de um único critério de gerenciamento – isto é, a ordem cronológica –, engessa qualquer tipo de inovação de gestão que porventura possa vir, seja ela através de resultados revelados por pesquisas empíricas, seja em vista de novos modelos de gestão aplicados à administração judiciária. Atente-se: a revelação de que a cronologia não é o melhor método de gestão, certamente demandará futura e dificultosa alteração legislativa, algo que não existiria se a regra partisse de quem tem atribuição constitucional para fiscalizar e definir planos e metas para a Justiça: o CNJ e as Corregedorias de cada Tribunal.
Ninguém é contra a cronologia para julgamento e cumprimento de processos. Pelo contrário. Ela é desejável, pois espelha igualdade de tratamento pelo Estado. Porém, ela deve ser aplicada juntamente com outras técnicas de gestão, avaliadas casuisticamente conforme características da unidade judicial e do próprio caso concreto. Definir legal e abstratamente, com base simplesmente na cronologia, a forma de julgamento, cumprimento/publicação de atos processuais, não parece consentânea com a promessa de um processo civil constitucional, justo e célere, premissas principais do Novo CPC (arts. 1º e 4º).
O sistema deveria se preocupar em punir os poucos magistrados e servidores que cedem a influências escusas para definir suas pautas de trabalho. Não, na ânsia de impedir iniquidades, engessar inovações na gestão da Justiça.
* Doutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP (FD-USP). Professor Doutor de Direito Processual da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP-USP). Juiz de Direito no Estado de São Paulo.