Enviado por Míriam Leitão - 06.04.2012 09h00m
COLUNA NO GLOBO
E o vento levou
A
presidente Dilma Rousseff falou de improviso na reunião do Fórum Brasileiro de
Mudanças Climáticas sobre a Rio+20. Não acertou o tom. Quem a ouviu falando em
Copenhague, na COP-15, notou que ela avançou no entendimento da questão
ambiental e climática. Mas ainda tropeça. Foi derrubada pelos ventos, pelas
florestas, pelos atos do seu governo, pelas análises datadas que ainda não
abandonou.
Segundo
a presidente, não há espaço para fantasia. Certo. Melhor ficar nos fatos. “Eu
não posso falar: olha é possível só com eólica iluminar o planeta. Não é. Só
com solar, de maneira alguma. Por isso que tem que ter base científica a nossa
discussão”, disse a presidente.
Os
fatos: nunca alguém defendeu iluminar o planeta apenas com vento e sol, mas sim
aumentar a presença de fontes renováveis não convencionais, como essas duas.
Cientificamente falando, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) fez um
levantamento do potencial eólico e chegou a números que até parecem fantasia de
tão bons. O potencial de energia dos ventos seria, segundo a EPE, de 143
gigawatts, ou seja, dez usinas da dimensão de Itaipu. E não tem feito medição
offshore.
O
vento é melhor, mais constante e necessário no Nordeste, exatamente a região
que já não tem potencial hidrelétrico remanescente. Sol também não falta na
região, mas ele tem sido tratado com ainda mais desprezo nas políticas públicas
da área de energia. Esse descuido com os não convencionais está fazendo com que
o Brasil perca a corrida pela ponta do processo.
Segundo
a Clean Edge, uma consultoria internacional especializada em tecnologias
limpas, a receita global de fotovoltaica (solar), eólica e biocombustível subiu
31% de 2010 para 2011, de US$ 188 bilhões para US$ 250 bilhões. Isso foi puxado
pelo crescimento de dois dígitos da energia proveniente do vento e do sol. No
biocombustível o que subiu foi o preço. A China foi, em 2011, líder global em
novas instalações de usinas de energia eólica pelo quarto ano consecutivo: 40%
de todas as novas instalações no mundo. A União Europeia está em segundo,
depois, Estados Unidos, Índia e Canadá. As novas instalações de fotovoltaica
aumentaram 69% de 2010 para 2011. E, por isso mesmo, os preços dessas energias
não convencionais, que sempre foram argumento no Brasil para o não
investimento, estão despencando. Caíram mais de 40% entre 2010 e 2011. A
previsão é que até 2021 vai declinar a um terço do nível atual. O preço global
de fotovoltaica era, em 2007, US$ 7,20 por watt. Em 2012, foi a US$ 2,69.
No
Brasil também tem vento a favor. O governo adiou o que pôde, mas os fatos se
impõem. A capacidade instalada saiu de 22 MW em 2003 para 1.471 em 2011. Com os
projetos já contratados a previsão é que chega a 8.088 MW em 2016. O preço
médio caiu a um terço desde 2005. Ainda é 1,6% apenas da matriz. A Abeólica acha
que chegará a 5,4% em 2014.
Dilma
fez críticas ao carvão. Está correta. Mas este ano três termelétricas serão
inauguradas para queimar carvão importado da Colômbia. E há outros projetos de
térmicas a carvão.
A
presidente disse que na questão da água fica difícil para a população entender
o problema porque nós temos “água excedente”. Ressalvou apenas os períodos de
seca do Nordeste. A seca do Nordeste este ano está feroz, mas o Sul teve
recentemente um cenário nordestino e a Amazônia tem tido períodos de estiagem
que esvaziam até o caudaloso Rio Negro.
Dilma
revisitou a tese de que o Brasil está na frente dos outros países na
sustentabilidade. Fantasia. O país está aprovando uma mudança no Código
Florestal para reduzir as exigências de preservação. Há duas versões: a da
Câmara e a do Senado. Uma é melhor que a outra, mas ambas são piores que o
Código atual.
Segundo
a presidente, “nós temos a sorte de ter a Amazônia conosco, com a consciência e
a nossa capacidade de lutar para preservá-la”. É uma sorte mesmo ter a
Amazônia. Mas a temos perdido um pouco a cada ano. O que o governo apresenta
como avanço de preservação é apenas queda do ritmo de destruição.
A
presidente também elogiou o Brasil pelo etanol, mas seu governo tem mantido a
política que desequilibra a relação gasolina-etanol e põe em risco a indústria
do álcool, pela qual o Brasil já pagou tão caro.
O
país tem a grande vantagem da matriz energética, que mesmo com os combustíveis
dá em torno de 50% de energia limpa. O grande problema é a aposta tão forte em
megausinas hidrelétricas no meio da Amazônia, cujas construções provocam
desmatamento. E mais: os conflitos trabalhistas nos canteiros são um problema
das empresas privadas e seus empregados, mas são tratados como questão de
segurança nacional. Mandam-se tropas federais.
A presidente, apesar de todos esses pressupostos, afirmou: “Eu não
acredito que nós possamos construir um novo modelo de desenvolvimento
sustentável para o mundo sem lidar com os impasses em relação ao clima.” Boa
frase. Pena que, na prática, o Brasil tem trabalhado nas reuniões preparatórias
da Rio+20 para que a questão climática não entre na agenda. Se for assim, o
debate do Rio periga virar uma fantasia.
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