Enquanto a sociedade brasileira não se conscientizar das causas, para pressionar o governo a atacá-las, infelizmente as tragédias se repetirão
18/01/2012
Editorial da edição 464 do Brasil de Fato
Todo ano, quando chega o verão, é a mesma tragédia se repetindo. Rios extrapolam suas margens, morros despencam, casas são inundadas, dezenas, centenas de mortos!
Os jornais televisivos nos enchem de imagens da desgraceira humana. Milhares de pessoas afetadas, sem casa, sem comida e água potável.
Alguns comentaristas procuram logo os culpados: o prefeito que desviou a verba, o governador que está de férias, o ministro da Integração Nacional que se preocupa apenas com sua base eleitoral em Petrolina, o governo federal que sempre chega tarde. Recursos públicos sempre tem – parece até em abundancia – mas ele não chega antes. E quando vem, chega no endereço errado.
Já o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) Aloizio Mercadante teve o desplante de dizer na televisão “que é assim mesmo, o governo não tem como evitar que todo verão ocorram tragédias socioambientais e com mortes”.
Mas ele não mora em nenhuma área de risco! Infelizmente os meios de comunicação no Brasil estão organizados apenas para dar lucro para seus proprietários. E nesse caso o que conta é explorar ao máximo a tragédia humana para aumentar as audiências e assim aumentarem os valores da publicidade. Quanto mais choro, desgraça, apelos desesperados, melhor para eles.
Enquanto isso, o povo brasileiro paga todo ano um alto preço, com vidas humanas, em geral entre os mais pobres.
Ninguém se preocupou em explicar ao povo as causas desses desastre socioambientais. Por que os rios extrapolam as margens? Por que nos morros e na beira de rios não tem mais arvores? Por que as pessoas se obrigam a construir suas casas nas encostas íngremes ou ao lado dos córregos e rios?
No desastre de dois anos atrás, no sul de Pernambuco e litoral de Alagoas – que destruiu em horas, treze pequenas cidades às margens de rios – houve uma única avaliação correta por parte das autoridades. Partiu do insuspeito ministro da Defesa Nelson Jobim, quando informou ao presidente Lula que a causa do desastre era a monocultura da cana. Que havia acabado com a proteção de mata ciliar nos rios, e empurrado os pobres para construir suas casas na beira dos rios, nos piores lugares das cidades.
Ficou registrado a opinião do ministro. Os desabrigados continuam sem emprego e sem casa. E a monocultura da cana, toda poderosa, com seus coronéis modernos, continua lá. Não é difícil imaginar que no próximo verão que a tragédia vai se repetir.
Temos várias pistas para debater as verdadeiras causas. A primeira vem dos especialistas em mudanças climáticas, que nos dizem que o desmatamento da Amazônia provocou um desequilíbrio nas chuvas. Assim, o que antes caía na mesma região, agora se transforma num verdadeiro rio celestial, e pela força dos ventos, todo período de verão é empurrado para baixo. Portanto, daqui para frente todo verão teremos chuvas torrenciais vindas da Amazônia na região Sudeste, provocadas pelo avanço do agronegócio da soja e da pecuária extensiva e seu desmatamento na Amazônia.
A segunda pista é o Código Florestal. Ele determina que todo córrego e rio tenha no mínimo 30 metros de proteção florestal nas suas margens, e de acordo com a largura do rio, deve aumentar proporcionalmente. Mas nas áreas da região Sudeste, o agronegócio não respeita. Planta cana, soja, pecuária até a margem do rio. Por isso, querem agora mudar o Código, para fugir das multas, e legalmente continuar não repondo as mata ciliar das margens dos rios e nos topos de montanha. Não tendo essa proteção da floresta no topo das montanhas e nas margens dos rios, cada vez que chove, a água desce e sobe com velocidade impressionante, destruindo tudo o que encontra pela frente.
A terceira pista é a especulação imobiliária praticada pelos capitalistas, que tomou conta de todas as cidades brasileiras. E os terrenos mais adequados viram milhões, e os pobres, ora os pobres, se obrigam a construir suas moradias nas encostas, manguezais, e na beira dos rios. E quando vem a chuva, tudo se perde.
A quarta pista é a impermeabilização asfáltica, que a hegemonia do transporte individual do automóvel está impondo nas cidades. Coloca-se asfalto em tudo, para ajudar o trânsito dos automóveis. As cidades são construídas para os automóveis e não para as pessoas.
Portanto, as verdadeiras causas dos desastres socioambientais estão no modelo de produção agrícola agroexportador do agronegócio, na especulação imobiliária nas cidades, e no desrespeito ao Código Florestal. Além disso, é claro, está na maldita indústria automobilística, que pode ajudar a aumentar o PIB, mas gera cada vez mais problemas para o povo.
Enquanto a sociedade brasileira não se conscientizar das causas, para pressionar o governo a atacá-las, infelizmente as tragédias se repetirão.
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